Nem sempre é fácil sobre isto, mas acredito que precisamos normalizar as diferenças.
Sou uma pessoa autista. E antes de mais nada, sou programador.
Ao longo do tempo, fui percebendo que o meu cérebro funciona de forma e que isso, longe de ser um obstáculo, é uma característica que molda a minha forma de ver o mundo e resolver problemas. No início, não foi fácil. Nem sempre os ambientes eram preparados para acolher quem pensa fora do padrão. E nem sempre é óbvio que uma diferença invisível é real.
Mas com o tempo, aprendi a valorizar essa diferença.
O que significa ser autista neste mundo de lógica e criatividade?
Para mim, significa
- Ter uma atenção ao detalhe quase instintiva.
- Sentir um foco intenso quando entro em "modo flow".
- Precisar de mais tempo para me adaptar a certas interações sociais, mas ser genuíno e direto no que digo-
- Ter uma relação especial com sons, rotinas e até com certas músicas que ouço repetidamente enquanto programo.
- Sentir o código como algo quase sinestésico: como se ele tivesse ritmo, forma e fluidez.
- Capacidade de memorização a longo prazo, desta forma, consigo rapidamente diagnosticar erros e bugs no código baseada na minha experiência e memórias passadas das minhas aprendizagens.
Cada programador tem o seu estilo. O meu envolve muito da minha sensibilidade autista, e isso é algo que quero abraçar, não esconder.
Os desafios existem, mas a consciência transforma
Já houve momentos em que me senti calado, incompreendido ou subestimado.
Mas aprendi que essas experiências não definem o meu valor.
Pelo contrário, ensinaram-me a posicionar-me com autenticidade e a construir voz própria.
Hoje, sei que não há problema em ser diferente. Há problema em não haver espaço para as diferenças.
Ser autista no mundo da tecnologia não é sinónimo de limitação. É sinónimo de pensar de forma não convencional. E isso, num mundo onde inovação é tudo, é um trunfo.
A importância de um ambiente que respeita
Ao longo da minha caminhada, encontrei pessoas que viram em mim potencial mesmo quando outros viam apenas estranheza. Mentores, colegas e amigos que compreenderam que a diversidade cognitiva é um ativo, não um fardo.
Empresas, equipas e projetos inclusivos fazem toda a diferença. E quando sentimos que somos ouvidos, que podemos partilhar as nossas ideias e ser respeitados pelo que somos, conseguimos dar muito mais de nós.
Para quem também sente que pensa de forma diferente
Este texto não é um desabafo, é um posicionamento.
Se também sentes que o teu cérebro opera fora do comum, talvez o problema não sejas tu.
Talvez só precises do espaço certo, com pessoas certas, para mostrares aquilo que realmente vales.
A tecnologia precisa de diversidade cognitiva.
E eu estou aqui para mostrar que ela funciona.
Um exemplo inspirador
Em 2024, Jade Wilson, engenheira de software na Microsoft, descobriu que era autista e recentemente (em 2025) partilha um artigo que explica o funcionamento do seu próprio cérebro e de que forma este o afeta no exercício do seu trabalho. O seu testemunho foi um exemplo poderoso de como é possível alinhar autenticidade com excelência profissional.
Quem quiser, pode ler o artigo escrito por ela. Vale a pena refletir.
Nota final: Este texto reflete a minha experiência pessoal como pessoa autista e programador. Não é um guia, nem pretende representar todas as vivências dentro do espetro. Mas espero que possa inspirar outros a assumirem com orgulho quem são, mesmo num mundo que ainda tem muito a aprender sobre inclusão.